A ascenção e queda dos Templários

Jacques de Molay

A Ordem do Templo foi fundada na sequência da tomada de Jerusalém na Primeira Cruzada (1099) e do início das peregrinações cristãs em massa para a Terra Santa. Após o seu estabelecimento no Monte do Templo, assumiram como missão a proteção dos peregrinos e dos lugares santos. Relatos semi-lendários descrevem a criação de uma irmandade de nove monges-guerreiros, com à cabeça o francês Hugo de Payns, primeiro grão-mestre da ordem.

Após a oposição inicial daqueles que recusavam a ideia de um freire empunhar armas, os Templários são reconhecidos no Concílio de Troyes (1129) e pelo Papa através da bula Omne datum optimum (1139). O seu maior patrono e defensor é o abade francês S. Bernardo de Claraval, reformador da Ordem de Cister, que chama a si a incumbência de redigir um código para a nova ordem religiosa.

O código templário de S. Bernardo e Hugo de Payns era estrito e ortodoxo, impondo a todos os iniciados votos de castidade, pobreza e obediência. Adaptado da regra beneditina, divergia da sua antecessora ao recusar a ideia de que um monge não podia defender-se ou cometer violências, lançando as bases para uma ordem simultaneamente religiosa e militar. Esta nova forma de Cavalaria seria a inspiração por detrás da ação de outras ordens de cavalaria religiosa, como os Cavaleiros Hospitalários ou a Ordem Teutónica.

A Ordem do Templo rapidamente suplantou as suas funções de proteção dos peregrinos para adquirir protagonismo militar como corpo de elite das Cruzadas. A sua valentia em combate é lendária: estava-lhes vedada a retirada de batalha, exceto quando enfrentando desvantagem de três para um, e mesmo aí só quando ordenado pelo seu comandante ou perante a queda do estandarte. Esta forma destemida de lutar garantiu aos Templários gloriosas vitórias, não raras vezes contra um inimigo numericamente superior, mas também infligiu pesadas casualidades entre os seus efetivos (20000 perdas no decurso de dois séculos).

A necessidade de defender as rotas dos peregrinos levou ao assentamento por parte dos Templários de uma extensa rede de fortificações e commanderies entre a Europa e a Terra Santa. Para além de posições militares estes entrepostos tornaram-se uma espécie de agências bancárias onde era possível efetuar depósitos monetários que mediante a emissão de cheque bancário (os primeiros da História) eram reembolsáveis noutra parte do mundo.

A atividade bancária tornou a Ordem desmesuradamente próspera. A Santa Sé e os principais soberanos da Europa tinham nos seus cofres as suas contas correntes. No auge do seu poder eram proprietários da ilha do Chipre e detentores de uma vasta frota movida entre portos secretos por todo o Mediterrâneo. A riqueza tornou-os poderosos mas atraiu também poderosos inimigos.

Em 1187 dá-se uma viragem nas Cruzadas com a reconquista de Jerusalém pelas forças islâmicas de Saladino. Os Templários são gradualmente sacudidos do Levante, reagrupando diversas vezes até à derrota final com a queda de Acre em 1291. O último bastião da Cristandade na Terra Santa era perdido para sempre e o apoio aos Templários começou a soçobrar, enquanto as críticas ao seu poder subiam de tom.

No dealbar do século XIV a intervenção templária no Próximo Oriente tornara-se mínima ou inexistente. Com a perda da sua identidade matricial de guerreiros santos e guardiões dos peregrinos, era cada vez mais difícil de justificar o seu estatuto especial perante a Santa Sé, assim como isenções fiscais e privilégios. Cerca de 90% dos membros da Ordem já não empunhavam a espada mas a pena. Eram gestores de um extenso complexo financeiro que hoje podemos comparar anacronicamente a uma grande empresa multinacional.

A base operacional dos Templários abandona paulatinamente a Terra Santa para se fixar na capital francesa Paris, no bairro do Templo, que ainda hoje mantém o seu nome. A França é governada pela dinastia dos Capetos: o seu rei Filipe IV, o Belo, guarda ressentimento da Ordem onde a sua iniciação foi negada e aos cofres da qual é grande devedor. Com um papa fraco em Avinhão, pouco se interpõe entre o rei francês e os Templários, que vai aproveitar a primeira oportunidade para se vingar e equilibrar as finanças do reino à custa dos tesouros do Templo.

Na sexta-feira 13 de Outubro de 1307, Filipe IV coloca em marcha uma mega-operação policial que captura ao nascer da aurora todos os Templários de França, sob acusações de heresia. No decurso dos sete anos que se seguem o povo francês vai assistir ao maior julgamento da sua História: no total 15 mil templários serão acusados. O rolo de pergaminho onde foram transcritos os interrogatórios existe atualmente e mede 22,20 metros.

Por toda a França templários são julgados e as suas propriedades apreendidas pela coroa. O caso lança ondas de choque através da Cristandade e poucos soberanos acreditam nas acusações tecidas contra eles: renunciar a Cristo e adorar o ídolo pagão Baphomet, dessecar os símbolos cristãos em rituais iniciáticos, homossexualidade entre os seus membros. O modo de extração das confissões deixa igualmente dúvidas; por toda a parte surgem rumores de sevícias e violências infligidas aos prisioneiros pelos homens do rei.

No epicentro de todo o processo está o grão-mestre Jacques de Molay, um velho septuagenário que dedicara 40 anos da sua vida à causa templária. Encarcerado e sob vigilância constante na fortaleza de Chinon, o grão-mestre assina a confissão integral de todos os crimes. Mais tarde vai retratar a confissão, alegando ter sido coagido com tortura.

Os Templários conservaram até ao fim a esperança da intervenção papal que nunca surgiu. Pressionado pelo rei de França, o papa Clemente V decreta a supressão da Ordem a 22 de Março de 1312, deixando os seus membros à mercê da justiça secular e relegando os seus tesouros e propriedades para os Cavaleiros Hospitalários.

A abjuração de uma confissão feita previamente, coloca Jacques de Molay na condição de herege relapsado pela qual será condenado à morte na fogueira. A sentença será cumprida em Março de 1314 numa das ilhas do rio Sena e perante a Catedral de Notre-Dame. Segundo a lenda, o último grão-mestre pede para ser colocado de frente para a catedral, com as mãos amarradas juntas em sinal de oração. Perante o horror dos presentes, a voz do grão-mestre emerge do meio das chamas rogando uma maldição aos seus acusadores: menos de um ano sobre a sua morte, estariam perante Deus para responder pelos seus crimes. O guarda-selos do rei Guillaume de Nogaret e o papa Clemente morreriam no mês seguinte. Com a morte de Filipe IV num acidente de caça em Novembro do mesmo ano a maldição cumpria-se.

O FIM DOS TEMPLÁRIOS

Mesmo após a sua destruição, a Ordem do Templo continuou a ser objeto de veneração e de mito. As respostas dos monarcas europeus às directrizes papais de dissolução foram desiguais, com os templários e os seus bens a serem protegidos por algumas nações, notavelmente a Escócia de Robert the Bruce e o Portugal de Dom Dinis. No caso português, as suas propriedades e privilégios foram assimilados por uma nova ordem de cavalaria religiosa criada para o efeito: a Ordem de Cristo.

A ligação de Portugal com a Ordem do Templo antecede a fundação do próprio reino. Foi uma das primeiras nações cristãs a acolher templários no seu território desde que Henrique, conde de Portucale e pai do primeiro rei, lhes concedeu carta de foral para Soure em 1111. Na reencarnação como Ordem de Cristo estarão intimamente relacionados com o movimento dos Descobrimentos, não fosse o seu grande impulsionador, o infante D. Henrique, grão-mestre desta ordem.

(autor: Manuel Beninger)

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